segunda-feira, 25 de julho de 2011

Novidades.

Hoje lembrei que tenho um blog, normalmente me esqueço dele durante o ano daí quando estamos chegando ao final, invento de escrever sobre as impressões e as novidades do ano. Entretanto, fechei um ciclo em minha vida. Talvez seja hora de abrir uma exceção bem no meio do ano, há poucos dias de iniciar um novo curso e uma nova fase, embora o coração permaneça o mesmo.
Fui ao shopping hoje e vi a Thais, conversamos bastante sobre muitas coisas, foi ótimo reencontrá-la. Ela está bem, fazendo psicologia na Unesp e super feliz com o curso. Por tê-la visto hoje é que lembrei desse blog, reli o último post. Conversei com a Gabi sobre a Adrielle, sobre as conclusões que cheguei hoje, depois da conversa com a Thais... algo ainda me incomoda, talvez eu esqueça, talvez incomode pra sempre, talvez em alguns anos ou segundos tudo desapareça. Quem sabe? Mas não quero me alongar nisso, quero falar da nova fase.

Bem, comecei a lecionar esse ano. Sofri decepções seguidas, sobretudo comigo mesma. Achei que era poderosa, achei que eu podia, achei que seria simples e que seria possível. É muito difícil trabalhar em um sistema falido, sobretudo se você quer fazer as coisas do jeito certo. O dia é desgastante, 78 aulas no mês lhe rendem pouco mais de quinhentos reais, mais desconto de 8%, no Estado. E acreditem, não é por dinheiro, é por falta de perspectiva mesmo - caso fosse o contrário, não seria professora voluntária aos sábados em um projeto que amo verdadeiramente: o Cursinho Popular Paulo Freire.
Aconteceram diversas coisas desde que comecei a lecionar, uma delas, bem marcante, foi a de ter uma crise de choro em sala de aula; depois de um dia cansativo de aula (porque eu me recuso a ser 'eventual' e esquentar banco) e tentando manter ordem na sala para começar, não consegui, não obtive êxito em manter o silêncio básico para se iniciar algo... então pensei "Tudo bem, é o que querem, pois bem". Sentei na cadeira do professor e fiquei sem falar nada por alguns segundos, abri minha bolsa e encontrei uma agenda que comprei do Thiago do PSTU (é uma agenda linda, com diversas figuras e frases interessantes), comecei a folhear e encontrei uma série de dados que havia escrito para uma palestra sobre Cotas Raciais, pois fui fazer uma palestra no Cursinho Popular Patrícia Galvão - da mesma rede - para explicar os benefícios das cotas nos vestibulares e a intenção delas. Quando comecei a reler esses dados me senti mal. Senti que estava traindo os alunos, à medida que sentava e não dava aula, mesmo sendo paga pelo Estado naquele momento para lecionar; traindo o próprio Estado, que e bancado pela grande massa popular; traindo a mim mesma, que tive a mesma trajetória de muitos alunos sentados naqueles bancos, que eram mal vistos pelos professores por serem da periferia e quererem estudar em um bairro neo rico. Levantei, comecei a escrever alguns daqueles dados - muito bem cabidos, por sinal, já que eu estava em uma sala com maioria negra e afrodescendente. Depois me sentei em cima da carteira do professor, e não consegui falar mais que meia dúzia de palavras antes de desabar em choro ao lembrar o esforço que minha mãe sempre fez para que eu estudasse, em me manter longe, pagar passagem, acreditar em mim - que, querendo ou não, carregava as expectativas dela de uma vida melhor - em relação aos estudos, em lembrar que sou afrodescendente e periférica, que sou, assumidamente e orgulhosa de sê-lo! Chorei e falei, falei e chorei... não sei se as coisas ficaram claras para eles, não sei se eles me entenderam, não sei se fiz certo, não sei se errei drasticamente... Mas não soube ser profissional nesse momento, não soube separar meu trabalho, minha frustração e minha vida pessoal. Sempre trabalhei com o coração, sempre quis a verdade e quis sentir o sangue correndo nas veias com cabeça em pé e sensação de dever cumprido.
Não consegui voltar à escola muitas outras vezes depois desse episódio. Fiquei decepcionada, sobretudo comigo. E desestimulada ao perceber a falência múltipla de órgãos da escola pública. Eu, justo eu... eu que sempre sonhei - sim, sempre foi um sonho - ser professora, alcançar os alunos, conseguir trazê-los para a aula, para navegar comigo (sim, as aulas são navegações de ideias e de experiências). Outra vez, quando estava cobrindo uma professora de português - que estava de licença - eu fui desrespeitada em minha última aula do dia. Era no período noturno, fiquei pensando o que estava fazendo ali, próximo às 23h, tentando conduzir uma aula de Literatura para 3º ano do Ensino Médio... Não fui mais.
Comecei a trabalhar em um colégio particular, pouca coisa mudou. Muitos alunos arrogantes, muita falta de vontade - que, na verdade, é geral - mas ao mesmo tempo uma sala agradável, o 3º ano do Ensino Médio regular. Adorei trabalhar lá, o pessoal era bem legal e mais maduro, consegui ser professora de Geografia, consegui desenvolver discussões, consegui sentar em círculo. Senti-me realizada por diversas vezes por lá.
Sofro também por amar a Maíra, por ter nela um exemplo, uma espécie de guia, por ela nunca ter sabido exatamente tudo o que sinto por ela, admiro a Maíra mais que a qualquer outro professor ou esquerdista que tenha conhecido. Uma vez ela disse que os alunos - quando pequenos - se apaixonam pela professora, acham que a professora é perfeita, por isso sempre querem sentar perto, querem atenção, querem conversar. Sim, fui assim e nem ao menos fui boa aluna o suficiente para conseguir receber um elogio ou fui covarde e medrosa o suficiente para conseguir me achegar mais. Aquela senhora de meia-idade, atéia e rabugenta - como ela mesma se descreve - tem amor de sobra, palavras doces, memórias revolucionárias, personalidade forte e postura. Uma das índoles mais limpas que já conheci, alguém com verdade e ternura no olhar. Mudei muito com suas aulas. E mudei calada. Chorei diversas vezes após - ou durante - as aulas, pois o amor que emprega nas palavras a fazem transformadoras. E, afinal de contas, sempre fui um pouco diferente da maioria das pessoas. Sou durona sim, mas tenho o coração mole, acho que quase como manteiga... Quando se trata de sociedade, sofrimento, dor e revolução, sempre fico extremamente mexida. "Queria viver de ideologia", sempre quis. Por isso a opção por História e Ciências Sociais, por isso a opção por acreditar, por me doar, por não largar o cursinho, mesmo nas piores épocas financeiras.

Ainda sinto o arrepio por todo o meu corpo ao ler um texto de História. Soube que queria História depois que me toquei disso, que, meu amor pelo estudo da História chegava a ser físico, tamanha influência tinha sobre mim.
Ainda amo inenarravelmente sociologia, ciência política e antropologia. Consigo perceber minha mudança ao ler aqueles textos, minhas reflexões.
Sempre quis fazer com amor, com o coração. Afinal, fui movida a fazer esses dois cursos pelo imenso amor que sinto pelo mundo, pelas pessoas, e sobretudo pela Educação. Por acreditar que é ela, e não qualquer outra, a responsável pelo desenvolvimento, emancipação e humanização do ser humano. Não deixei de acreditar na Educação nem em sua força, mas resolvi não embarcar no ensino público como ele está. Enfim, percebi que nem sempre podemos chegar ao que queremos diretamente, às vezes é necessário passar por outras coisas para chegar onde se almeja. Foi essa a minha decisão quando parei de ir aos cursos.

Tive duas crises 'homéricas' de choro. Uma foi o último dia em que fui à Unifesp, na volta pra casa. Outra foi esses dias atrás. Chorei por ter que sair, por ter concordado que não dava pra se fazer muita coisa lá dentro ainda, chorei por ter passado a vida inteira na escola pública e quando voltei, não pude fazer tudo o que desejava. Chorei por vergonha ao largar assim, de repente, por ter de largar meus amigos diários, por tudo. Mas chorei mesmo, chorei muito... não conseguia falar, minha voz saía trêmula ao tentar explicar, as lágrimas caiam compulsivamente como um rio que corre veloz, me senti mal, e tive medo, sobretudo medo: medo de fazer aquilo por algum outro motivo que não me desse, necessariamente, um retorno vigoroso à Educação. E foi nesses dois momentos que não quis trair minha história, minha própria vida, meus princípios. Talvez ninguém entenda, talvez entendam, mas eu sou alguém que considera totalmente sua história pessoal, que vive em prol daquilo em que acredita. Pode ser besteira, infantilidade, ou qualquer outra coisa, até inocência, mas amo as pessoas, quero e vou fazer algo. É por isso que vou para a Medicina, com os olhos na Educação, não podia ser diferente. Sou um ser social, socialmente ativo, com sede de verdade, com uma armadura de braveza e prudência, quando, na verdade, me dou totalmente e acredito em tudo.

Sim, fui contemplada com uma bolsa integral em Medicina na Universidade Cidade de São Paulo. Tenho seis longos anos pela frente. Trilharei esse caminho com olhos no futuro. Quero ser uma boa médica - o melhor que eu puder. Quero conseguir trabalhar e também ter dinheiro para montar uma escola. Afinal, foi o que eu sempre quis. Espero mudar, amadurecer, crescer, adquirir sabedoria ao lidar com as pessoas. No final das contas, não me interessa o status dentro da medicina, não é o meu foco... só quero trabalhar direito e conseguir um salário bom o suficiente, para que, depois de uns 15 ou 20 anos de formada, consiga começar a pensar em fazer outro curso e planejar minha escola. Talvez eu possa colaborar para uma geração de médicos mais 'humanos'. Pois é, acreditem, é isso que se busca em muitas universidades.

Talvez eu tenha errado, talvez eu tenha acertado. Talvez eu tenha amadurecido, talvez não. Não sei, não acho que posso concluir essa 'parte' da minha vida ainda. Vou esperar, fazer tudo que for possível e realizar.



Talita Amaro

9 comentários:

Gabi Idealli disse...

Você escreve e expõe tudo muito bem.

Ah, e você acertou. :)
E vai contribuir, e muito, para a nova geração de médicos humanos.

Palavreando Su disse...

Parabéns!

Transformação, afeto, coragem...


beijos
Suzana

Anônimo disse...

Tocante...

Realmente surpreendente a sua escolha por medicina, e lamentável o fato de ter saído, mesmo que momentâneamente, da educação pública. São pessoas como você, com real vocação, que são necessárias para mudar o rumo de nosso país.
Enfim, abraços e muita sorte nessa nova jornada que se inicia.

Andreia

Barbara disse...

Minha vidinha, fiquei feliz quando (re)li seu blog! Confesso não ter lido tudo, mas lembrei de tanta coisa que quase chorei no meio do expediente... (ah! essa tal TPM... rs)
Fiquei surpresa pela sua escolha, surpresa com bastante coisa que li, e feliz ao mesmo tempo. Feliz porque notei que está feliz, que coisas mudaram, que segue aquela mulher determinada que conheci anos atrás!
Que você encontre o que busca nesse novo curso e nesse novo momento. E agora você ouvirá - assim como escuto pelo menos uma vez por mês, rs - as pessoas dizendo "Nossa, mas SEIS ANOS?" e fazendo uma cara de "tá fodida! HAHAH". E você retribuirá com um risinho e dirá "Pois é. É o que escolhi pra mim. É o que me realiza. É o MEU sacrifício, escolhi porque quero melhorar o mundo. Talvez, um dia, você entenda esse meu sacrifício...".
Que os obstáculos continuem servindo pra você aprender e não desistir, mas sim se motivar a continuar. E que você não se esqueça o quanto te amo. =)
Beijos da estrela...

Giulia Ermacora disse...

Por Giulia E.

Oh Meu Deus... a garganta está doendo de vontade de chorar mais...me emocionou inteiramente o texto. Confesso que tenho receio de lecionar em escolas públicas hj e sei realmente o q vc passou: o quadro de professores que sofrem de depressão aumenta a cada dia e não é "a toa". Também tenho o sonho de poder um dia mudar, nem que for um pouquinho, o ensino público até mesmo porque sempre estudei em escola pública e sei muito bem o q é sentar em uma cadeira e ver o professor entediado na sala de aula porque não consegue dizer nem um "Boa Tarde" aos alunos...

Eu ainda continuarei lecionando e trabalhando... só não sei por quanto tempo conseguirei fazer as duas coisas. Vc é uma vencedora... pode ter certeza disso!!!

Humm, medicina é uma ótima escolha; vc e a Gabi farão uma ótima dupla! Se montarem uma clínica, por favor, me contratem para que eu faça as análises biológicas!

Não sei o q dizer, se vc fez ou não a escolha certa... só o tempo irá dizer mas te apoiarei em tudo que precisar! Mas se vc se candidatar a presidência eu já sei: Talitão pra presidente!!!

Te adoro muuuuuuuuuuuuuuuuito!

Carolina Alvim disse...

Talita, achei lindo o que vc escreveu!!! Tenho certeza de que vc vai realzar o seu sonho e, depois de ler o seu texto/blog, cheguei a conclusão que não só a Educação precisa de VC, mas a saúde pública tbm. Com este olhar antropológico q vc tem, tenho certeza q vc irá enxergar a relação médico-paciente de uma outra maneira e irá transformar os médicos deste país. Este semestre q passou, eu fiz a disciplina antropologia e corpo, eu li textos incríveis ( se vc quiser algum, eu envio para vc) e que ao mesmo tempo me deixou revoltada com as Ciências Médicas e a sua maneira de lidar com o corpo separado do sujeito que o habita, porém, depois de ler o que vc escreveu, tenho certeza de q não será esta a sua postura como médica. Parabéns!! Q vc seja muito feliz nesta sua nova trajetória!!!
Bjos Carol!!

Mariana Vilela disse...

Professooooora Talita!!!
Fico extremamente feliz por você ter conseguido a bolsa que tanto queria. Que você seja ~muito~ feliz nessa nova etapa da sua vida! Já estamos sentindo sua falta, haha.
Beijos



Mari - 3° Regular

Wilson disse...

Um dia eu ouvi a seguinte frase: "O bom jornalista não é o que muito fala, mas o que sabe escutar mais do que falar".
Talita, eu escutei com muita atenção oque você disse (escreveu) aqui, lamento alguns acontecimentos, mas te parabeniza muito mais pelas palavras mais íntimas to seu texto.
Mostrou a mulher valorosa que você é. Outra coisa, quem garante que você não será, no futuro, uma professora para futuros médicos??? Eu acho que sim, pois sinto que isto está na sua veia.
Beijos
Te admiro!
Wilson

FABIANA GERVÁSIO DORO disse...

Nossa, Eu amo a Gabi Idealli..espero q vcs sejam mto felizes...
queria mesmo conhecer vc... porque me parece uma pessoa pura, sem maldade.. guerreira.
espero q vcs continuem dando certo
SEJAM FELIZES MENINAS