"ZÉ NINGUÉM" - por Talita Amaro

(monólogo)

Oi! Eu sou... Eu sou... Bem, eu sou... Afinal quem eu sou? Ah, lembrei, cabeça esquecida, eu não sou ninguém, mais um Zé Ninguém... Ah, mas claro que você já me conhece, a gente é amigo, inseparáveis, a gente é parte um do outro... A gente se conhece desde que... hum... na verdade faz tanto tempo que eu não sei mais. E você não se esqueceu de mim, não é?

Eu sou você. Eu estou em você... Dentro de você.

Eu sou o medo do fracasso que você tem em tentar conhecer o amor. Solto aquelas frases de auto-suficiência: “Eu posso ser feliz sozinha, não nasci grudada com ninguém”, é eu engano bem... Mas na verdade estou escondendo todo o seu temor nisso, o medo que tem de dar com os burros na’água. Mas eu o conheço bem, já disse, somos o mesmo, o seu medo é o de amar. É o de se ver entregue a uma paixão, é o de enlou-crescer...

Eu sou a voz que cala quando uma injustiça acontece debaixo do seu nariz, é, eu sei bem, você nem se dá conta disso, por que ficar ligando para o que acontece com os outros? Antes com eles que comigo! Realmente não me preocupo com ninguém...

Eu sou quem se esquece dos aposentados, é, esses mesmos, que trabalharam a vida inteira e não têm direito a nada. Eu que fecho meus olhos, mesmo por que não são meus pais, nem meus avós, por que é que eu vou me preocupar com isso? E outra, não estão mortos, vai parar de trabalhar por quê? Tem que trabalhar, o Brasil está assim por causa desse monte de gente que não trabalha...

Eu sou quem cuspiu na face do Criador. Aquele bando de índio que fica rezando para um santo qualquer ou um trovão... Como são inocentes. Ninguém faz nada por ninguém nesse mundo e ficar pedindo para o tal do Senhor não vai resolver...

Eu sou a covardia que tem em enfrentar aquele que maltrata sua família apenas por ter um título ou por ter poder político e econômico. Tenho medo deles, eles são poderosos...

Eu sou o que tem em meu país uma corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões e, no entanto, o que posso fazer? Deixa isso para a polícia, não é problema meu...

Eu sou aquele que vota para não pagar uma multa de três reais e não está nem aí pra quem está elegendo como vereador, deputado, afinal, só me preocupa se eu estiver levando algo com isso. E, falando sério, num país livre eu sou obrigada a votar, onde está o meu direito de não votar? Essa política é uma palhaçada mesmo...

Eu sou o que celebra nosso governo e nosso Estado que não é Nação... Definitivamente não é uma Nação e nem será, precisa-se de matéria-prima de qualidade pra se construir um país, coisa que não é. Achávamos que Collor não prestava, assim como Lula não presta e o que vier também não vai prestar, saíram todos da mesma matéria-prima defeituosa de que foi feito...

Eu sou o que não liga para a educação, não dou a mínima para os jovens que estão fora da escola, eu também nunca gostei muito dessa história de ir à escola, se formar, conseguir um bom emprego... Lorota que os babacas contam e tem gente ainda que acredita, ninguém nasce pobre e fica rico por causa da escola não, se fosse assim todos estariam na escola...

Eu sou quem apóia o ditador fascista. Apóio o responsável pela morte daqueles judeus inúteis, não criei a câmara de gás e não matei milhares de bebês, mas também acredito que o mundo seria bem melhor só com a raça pura. Também não gosto dos negros, mas não falo nada, posso ser presa por isso, mas ai da minha filha se namorar um desses negrinhos mortos de fome...

Eu sou quem não liga para a ecologia... Até ligo, compro um pacote de folhas recicladas e uso, me sinto com a consciência limpa depois de usa-las e quando alguém me pergunta eu sempre respondo com aquele orgulho libertino: “Temos que preservar a natureza”...

Eu sou o ser da vaidade. Sim, eu gasto meu dinheiro no salão e em cirurgias, não saio sem minha maquiagem feita, aparência é tudo!

Eu sou quem festeja a inveja, a intolerância e a incompreensão. A favor da venda de bebidas alcoólicas aos menores, se eles querem beber, por que eu vou deixar de vender e ganhar meu dinheirinho? Não são meus filhos...

Eu sou quem o impede de sonhar, sou seus pessimismo, tudo que o impede de se libertar, de ser feliz, eu ou você, se olhe no espelho e verá quantas semelhanças tem comigo e deixe de hipocrisia em abrir a boca pra se assombrar com o que eu disse, tudo isso está dentro de você, eu sou fruto da sua ganância, da sua intolerância, da sua carência, da falência do seu espírito.

É... Caros amigos, eu os conheço como a palma de minha mão...

Sim, sou eu mesmo que trono seus sonhos poeira. Enquanto você se revira entre os lençóis sem dormir procurando uma solução, eu sou cada mínimo grão que parece um pedaço gigante do mundo, ruindo dentro de você. Não reclame, afinal, foi você quem me criou assim ou então não teria por que lamentar. Você simplesmente seria feliz, ora... Está na cara que você quer isso. Não quer?


Amor, trabalho e sabedoria são as fontes da nossa vida.
Deviam também governá-la.

NÃO SE DEVE CONTAR
COM A MINORIA SILÊNCIOSA
POIS O SILÊNCIO É ALGO FRÁGIL.
UM RUÍDO ALTO... E ESTÁ TUDO ACABADO.
O POVO ESTÁ AMEDRONTADO E DESORGANIZADO DEMAIS.
ALGUNS TIVERAM A OPORTUNIDADE DE PROTESTAR,
MAS FORAM COMO VOZES GRITANDO NO DESERTO.
O BARULHO É RELATIVO AO SILÊNCIO QUE O PRECEDE.
QUANTO MAIS ABSOLUTA A QUIETUDE
MAIS DEVASTADORAS SERÃO AS PALMAS.
NOSSOS LÍDERES NÃO ESCUTAM
A VOZ DO POVO HÁ GERAÇÕES.
E ELA É MAIS ALTA DO QUE ELES SE RECORDAM!

Talita Amaro (como todos os textos desse blog)


Fontes para conceituação do trabalho:
Escuta, Zé Ninguém – Wilhelm Reich
Perfeição – Legião Urbana
Revolução dos Bichos – George Orwell
Há tempos – Legião Urbana
Democratura: O direito obrigatório – Renan Ferreira Cavalheiro
V de Vingança - Allan
Ter ou não ter namorado, eis a questão – Carlos Drummond de Andrade
É preciso de matéria prima para construir um país – João Ubaldo Ribeiro

Algo a acrescer? Faça-o já e se liberte do Zé Ninguém que existe dentro de você